Metano em foco: avanços tímidos, metas distantes e como transformar um super gás de aquecimento em oportunidade de energia limpa

Metano em foco: avanços tímidos, metas distantes e como transformar um super gás de aquecimento em oportunidade de energia limpa

O novo relatório global sobre metano traz uma boa e uma má notícia ao mesmo tempo. A boa é que o crescimento das emissões começou a perder força; a má é que o ritmo ainda está longe do necessário para manter o aquecimento global dentro da meta de 1,5 °C. Nesse contexto, o metano sai da sombra do dióxido de carbono e assume um papel central na agenda climática, com impacto direto sobre políticas públicas, transição energética e oportunidades de projetos no Brasil.​

Por que o metano preocupa tanto

Embora permaneça menos tempo na atmosfera do que o dióxido de carbono, o metano tem um efeito de aquecimento muito mais intenso em horizontes curtos. Em janelas de cerca de 20 anos, a capacidade desse gás de reter calor é mais de 80 vezes maior do que a do CO₂, o que o torna um dos principais responsáveis pelo aquecimento já observado desde o início da era industrial. Estimativas recentes indicam que o metano responde por algo próximo de um terço do aumento da temperatura global até agora, mesmo estando presente em concentrações bem menores que o CO₂.​

Esse “peso desproporcional” explica por que cientistas e negociadores passaram a enxergar a redução do metano como uma das formas mais rápidas e eficientes de frear o agravamento da crise climática nas próximas décadas. Em outras palavras: agir sobre o metano não substitui o corte de CO₂, mas pode comprar tempo valioso para que a transição energética e as mudanças estruturais em outros setores avancem.​

O compromisso global: 30% de corte até 2030

Reconhecendo essa importância, quase 160 países aderiram, a partir de 2021, a um compromisso específico para o metano, assumindo a meta de reduzir em 30% as emissões desse gás até 2030 em relação aos níveis de 2020. Essa trajetória é considerada compatível com o esforço de limitar o aquecimento global a cerca de 1,5 °C acima da média pré‑industrial, como prevê o Acordo de Paris, e foi apresentada como um dos pilares da estratégia climática da década.​

O novo relatório analisa justamente o quanto o mundo avançou desde que esse compromisso foi firmado. A principal conclusão é que houve mudança de patamar na atenção dada ao tema: planos nacionais de clima, políticas setoriais e investimentos começaram a tratar o metano de forma mais direta, especialmente em setores como energia, resíduos e agropecuária. Mas, ao mesmo tempo, os números mostram que ainda há um hiato grande entre intenção e resultado.​

O que está acontecendo com as emissões de metano

Apesar da mobilização recente, as emissões globais de metano ainda não entraram em trajetória de queda consistente. De acordo com as projeções apresentadas no relatório, se todos os compromissos e políticas já anunciados forem executados como planejado, os níveis de emissão em 2030 devem ficar cerca de 5% acima dos de 2020. Olhando mais adiante, o cenário de referência indica um aumento em torno de 21% nas emissões de metano até 2050, também em comparação com 2020.​

Os autores destacam que esse crescimento projetado seria ainda maior se o compromisso global não existisse. Em outras palavras, as ações adotadas até agora já evitaram uma escalada mais rápida das emissões, mas não foram suficientes para inverter a curva. Do ponto de vista climático, isso é problemático, porque manter ou aumentar emissões de um gás tão potente torna muito mais difícil garantir um limite de aquecimento relativamente seguro.​

Metano nos planos climáticos nacionais: avanço importante, mas insuficiente

Um aspecto positivo apontado pelo relatório é a forma como os países vêm incorporando o tema metano em seus planos oficiais de ação climática. Entre as nações que atualizaram suas contribuições determinadas nacionalmente (NDCs) até meados deste ano, cerca de 65% incluíram metas, programas ou medidas específicas voltadas para esse gás, um salto expressivo em relação a 2020, quando o assunto praticamente não aparecia em muitos documentos nacionais.​

A análise estima que, se tudo o que está descrito nesses planos fosse implementado de maneira integral e eficaz, seria possível reduzir em torno de 8% as emissões globais de metano até 2030, em relação à linha de base de 2020. Do ponto de vista político, esse resultado é visto como um “progresso histórico”, porque representa uma mudança real na forma como países tratam o metano em suas estratégias climáticas. Do ponto de vista das metas, porém, ele ainda está longe do que foi prometido: 8% de redução correspondem a pouco mais de um quarto do corte de 30% assumido no compromisso global em 2021.​

Onde o metano é emitido – e o papel do Brasil

Globalmente, cerca de 60% das emissões de metano têm origem em atividades humanas, distribuídas principalmente em três grandes setores: agropecuária, resíduos e energia. A agropecuária responde por uma parcela significativa, com destaque para o metano gerado pela digestão de ruminantes e pelo manejo de dejetos de animais. No setor de resíduos, aterros sanitários e estações de tratamento de esgoto são fontes importantes. Já na energia, vazamentos e queimas em operações de petróleo, gás e carvão completam o quadro, com grande peso em países fortemente dependentes de combustíveis fósseis.​

No caso do Brasil, dados do SEEG mostram que as emissões associadas à agropecuária, à mudança de uso da terra e a resíduos têm papel central no inventário de gases de efeito estufa do país. Isso coloca o Brasil em uma posição paradoxal: ao mesmo tempo em que é vulnerável aos impactos climáticos, tem também enorme potencial para reduzir metano em cadeias agropecuárias e em sistemas de gestão de resíduos, transformando parte desse problema em oportunidade.​

Metano em foco: avanços tímidos, metas distantes e como transformar um super gás de aquecimento em oportunidade de energia limpa

Soluções em prática: biogás, biometano e gestão de resíduos

O relatório da ONU e estudos complementares destacam que uma parcela importante das emissões de metano pode ser evitada com tecnologias já disponíveis e, muitas vezes, com custo relativamente baixo ou até com retorno econômico positivo. Entre as soluções, ganham espaço o uso de biodigestores em propriedades rurais, a captação de biogás em aterros e o aproveitamento de metano em sistemas de saneamento para geração de energia ou produção de biometano.​

No Brasil, há exemplos crescentes de fazendas que convertem dejetos animais em biogás para gerar eletricidade, substituir combustíveis fósseis e produzir biofertilizantes, com redução direta de emissões e ganhos em eficiência. Em aterros sanitários, projetos de captação e queima controlada ou de geração de energia a partir do biogás também já evitam emissões relevantes, especialmente em grandes centros urbanos. Empresas especializadas em biogás, cooperativas e concessionárias de saneamento vêm atuando nesse espaço, mostrando que é possível alinhar redução de metano, transição energética e novos modelos de negócio.​

Um exemplo prático desse movimento é o avanço de empresas brasileiras dedicadas a projetos de biogás, como a Eva Energia, que desenvolvem soluções em aterros sanitários e no agronegócio para capturar o metano gerado por resíduos e dejetos e transformá-lo em eletricidade renovável e, em alguns casos, em biometano. Iniciativas desse tipo ilustram como uma parte das emissões que hoje aparece nos inventários climáticos pode ser convertida em ativo energético e em oportunidade de negócio, ao mesmo tempo em que contribui para aproximar o país das metas globais de redução de metano.​

O que precisa acontecer para aproximar metas e realidade

Mesmo com esses avanços, o recado do relatório é claro: o mundo ainda está muito aquém do esforço necessário para cumprir o compromisso de 30% de redução do metano até 2030. Para encurtar a distância entre projeções e metas, os autores apontam algumas prioridades: reforço de regulamentações em setores de energia (controle de vazamentos em óleo e gás), escala muito maior em projetos de biogás e melhorias estruturais em manejo de resíduos e esgoto.​

Também ganham destaque a necessidade de linhas de financiamento específicas, instrumentos de mercado como créditos de carbono focados em metano e integração entre políticas de clima, energia, agricultura e saneamento. Sem esse tipo de coordenação, o risco é que iniciativas promissoras permaneçam pontuais, sem impacto agregado suficiente para alterar a trajetória global.​

Metano como teste da seriedade climática

No fim, o que o novo relatório deixa evidente é que o metano se tornou um indicador prático da seriedade das políticas climáticas. Por ser um gás de permanência relativamente curta e impacto muito forte no curto prazo, reduções significativas em suas emissões podem gerar efeitos perceptíveis em poucas décadas, ajudando a evitar uma aceleração perigosa do aquecimento global.​

Ao mesmo tempo, o descompasso entre o compromisso de 30% até 2030 e os cerca de 8% de redução que poderiam ser alcançados com as ações hoje presentes nos planos nacionais mostra que ainda há uma lacuna grande entre discurso e prática. Fechar essa lacuna passa por combinar tecnologia, financiamento e vontade política – e transformar o metano, de vilão pouco visível, em um dos focos prioritários da transição para uma economia de baixo carbono.​

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