Como o agro brasileiro já gera mais energia que Itaipu e lidera a fronteira do biogás

Como o agro brasileiro já gera mais energia que Itaipu e lidera a fronteira do biogás

Além dos grãos e da proteína, o agronegócio se consolida como uma superpotência energética. A bioeletricidade da cana supera a geração da maior hidrelétrica das Américas e, agora, o biogás de dejetos animais e resíduos agrícolas surge como o próximo pilar da segurança energética nacional.

Enquanto os olhos do mundo se voltam para as grandes usinas hidrelétricas e os vastos parques eólicos e solares, uma revolução energética, mais silenciosa e distribuída, avança a passos largos no interior do Brasil. O agronegócio, motor da economia nacional, transcendeu seu papel de produtor de alimentos para se tornar um dos mais importantes geradores de energia limpa do planeta. O marco mais emblemático dessa transformação é um feito que redefine a escala do setor: a bioeletricidade gerada a partir da cana-de-açúcar já supera, em anos recentes, a produção total da Usina Hidrelétrica de Itaipu, a maior das Américas e por décadas um símbolo da engenharia e da potência energética brasileira.

Este feito, no entanto, é apenas a ponta do iceberg. A verdadeira profundidade desta revolução está na diversificação das fontes e no aproveitamento de tudo aquilo que antes era considerado resíduo. Agora, a nova fronteira é o biogás, um combustível renovável produzido a partir de dejetos de animais e restos de colheitas, que promete transformar cada fazenda e cada usina em um potencial centro de energia.

Superando Gigantes: A Força da Bioeletricidade

Os dados confirmam a magnitude da bioenergia sucroenergética. Segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (UNICA), em anos como 2021, a energia exportada para a rede elétrica nacional a partir da queima do bagaço e da palha da cana atingiu quase 70 mil Gigawatts-hora (GWh). No mesmo período, a produção de Itaipu, embora ainda monumental, foi inferior.

Essa comparação não diminui a importância de Itaipu, mas sim eleva o status da bioeletricidade. Sua grande vantagem estratégica é a complementaridade sazonal. A safra da cana ocorre majoritariamente durante o período seco no Brasil (entre abril e novembro), exatamente quando os reservatórios das hidrelétricas estão em seus níveis mais baixos. “A bioeletricidade da cana entra no sistema justamente quando mais precisamos, reduzindo a necessidade de acionar termelétricas fósseis, que são mais caras e poluentes”, explica um especialista do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Essa sinergia é crucial para a estabilidade e a sustentabilidade da matriz elétrica brasileira.

Como o agro brasileiro já gera mais energia que Itaipu e lidera a fronteira do biogás

A Nova Fronteira: O Potencial Bilionário do Biogás

Se a queima do bagaço já é uma realidade consolidada, o aproveitamento de outros resíduos para a produção de biogás e biometano é a onda que definirá a próxima década. O biogás é produzido pela decomposição de matéria orgânica (como esterco de suínos e bovinos, resíduos de frigoríficos e sobras da produção de etanol) em ambientes sem oxigênio, dentro de equipamentos chamados biodigestores. Esse gás, rico em metano, pode ser usado para gerar energia elétrica e térmica na própria fazenda ou purificado para se tornar biometano, um substituto perfeito para o gás natural veicular (GNV) e o diesel.

Os números do setor, compilados pela Associação Brasileira do Biogás (Abiogás), são impressionantes e mostram um crescimento exponencial.

    • Crescimento Recorde: De acordo com o mais recente Panorama do Biogás no Brasil, publicado em parceria com o Centro Internacional de Energias Renováveis e Biogás (CIBiogás), o número de plantas de biogás em operação no país cresceu mais de 25% no último ano, ultrapassando a marca de 1.000 usinas ativas.
    • Potencial de Produção: O potencial técnico do Brasil para a produção de biogás é de aproximadamente 84 bilhões de metros cúbicos por ano. Isso seria suficiente para suprir cerca de 40% da demanda nacional de energia elétrica ou substituir 70% do consumo de diesel do país.
    • Liderança do Agro: O setor agropecuário é o protagonista absoluto dessa expansão. Atualmente, 80% das plantas de biogás em operação no Brasil estão localizadas em áreas rurais, utilizando principalmente dejetos da suinocultura e da pecuária. O estado do Paraná, líder na produção de proteína animal, também lidera o ranking de plantas de biogás, transformando um passivo ambiental (os dejetos) em um ativo energético valioso.
A suinocultura, de fato, tem sido uma das grandes pioneiras na transformação de dejetos em energia, e a Eva Energia possui projetos que demonstram a viabilidade e a escalabilidade desse modelo. Um de seus casos de sucesso está localizado em São Gabriel do Oeste, no Mato Grosso do Sul, um dos principais polos de suinocultura do Brasil.
Neste projeto, a Eva Energia implementou uma solução que agrega os dejetos de múltiplos suinocultores parceiros da região. A usina de biogás foi projetada para processar 150 toneladas de dejetos de porco por dia, coletados de diferentes propriedades. Esse volume de matéria orgânica é convertido em biogás, que alimenta geradores com uma potência instalada de 1 megawatt (MW).
A energia elétrica gerada é injetada na rede de distribuição e vendida para clientes corporativos através do modelo de Geração Distribuída. Com isso, a Eva Energia cria um ciclo completo de valor: resolve um grande passivo ambiental para os produtores rurais, gera uma nova fonte de receita para eles, e fornece energia limpa e com custo reduzido para o mercado. Este modelo não apenas mitiga a emissão de gases de efeito estufa, mas também fortalece a economia local, provando que a suinocultura pode ser um pilar central na transição energética do país.

Impacto Econômico e Ambiental

A expansão da bioenergia e do biogás representa muito mais do que apenas megawatts. Ela significa a criação de uma nova economia no interior do país. A geração distribuída fortalece a rede elétrica local, reduz perdas de transmissão e pode garantir o fornecimento de energia em áreas remotas. Além disso, a produção de biogás gera um subproduto rico em nutrientes, o digestato, que pode ser usado como biofertilizante, diminuindo a dependência do Brasil da importação de fertilizantes químicos, um tema de alta relevância geopolítica e econômica.
Do ponto de vista ambiental, os benefícios são duplos. Primeiro, evita-se que o metano dos dejetos animais, um gás de efeito estufa 28 vezes mais potente que o CO₂, seja liberado diretamente na atmosfera. Segundo, substitui-se o uso de combustíveis fósseis.

O caminho do agro como potência energética está traçado. O setor que garante a segurança alimentar do Brasil e de parte do mundo agora se firma como um pilar indispensável para a segurança energética e para o cumprimento das metas climáticas do país, provando que a sustentabilidade e a produtividade podem, e devem, caminhar juntas.

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