G7 acelera a transição dos setores industriais de difícil descarbonização: desafios, soluções e políticas para uma nova era industrial

G7 acelera a transição dos setores industriais de difícil descarbonização: desafios, soluções e políticas para uma nova era industrial

Em 2025, o planeta ultrapassou um limiar simbólico e preocupante. Dados do Copernicus Climate Change Service confirmaram que a média anual da temperatura global superou, pela primeira vez, 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais em 2024. Embora não signifique que o Acordo de Paris tenha sido oficialmente rompido — já que o objetivo considera médias de longo prazo —, o marco acende alertas na diplomacia, nos mercados e, sobretudo, na indústria pesada. No centro desse debate está o G7, o grupo das sete maiores economias avançadas (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido), responsável por cerca de 40% do PIB global e grande parte da inovação industrial e tecnológica do planeta.

À medida que os setores elétrico, automotivo e mesmo parte da agricultura começam a apresentar avanços concretos rumo à descarbonização, sobram sobre a mesa os desafios da chamada “última fronteira”: os setores industriais de difícil descarbonização, ou hard-to-abate sectors. Cimento, aço, produtos químicos, aviação, transporte marítimo e rodoviário pesado ainda respondem por quase um terço das
emissões globais de CO₂. Como acelerar a transição desses setores? Que caminhos, políticas e alianças o G7 precisa liderar para tornar viável um futuro industrial verde — e, ao mesmo tempo, competitivo e socialmente justo?

O novo contorno da crise climática

No último relatório do IPCC, cientistas reiteraram que limitar o aquecimento global a 1,5 °C é vital para evitar impactos extremos em ecossistemas, saúde e economia. No entanto, emissões recordes em 2023 e a aceleração do desmatamento, aliadas ao fenômeno El Niño, levaram a Terra a bater recordes históricos de calor. Projeções atuais sugerem que, se não houver cortes drásticos e imediatos nas emissões, a temperatura média dos próximos 20 anos pode estabilizar acima desse patamar crítico.

Enquanto as energias renováveis avançam e a eletrificação do transporte de passageiros se consolida em diversas nações, a descarbonização dos setores industriais mais intensivos permanece um gargalo. O dilema não é apenas tecnológico — é de mercado, infraestrutura, regulação e diplomacia. Para o G7, liderar essa transição significa não apenas enfrentar o maior desafio climático do nosso tempo, mas também garantir competitividade econômica em um mundo que rapidamente valoriza produtos e cadeias produtivas com baixo carbono.

O que são os “hard-to-abate sectors” — e por que são tão críticos?

Os setores de difícil descarbonização reúnem processos industriais que dependem de altas temperaturas, reações químicas que liberam CO₂ inevitavelmente, ou utilizam combustíveis de alta densidade energética. Segundo a
Agência Internacional de Energia (IEA), a produção de aço sozinha representa cerca de 8% das emissões globais. O cimento, base da construção civil, responde por mais de 7%. Produtos químicos, aviação e transporte marítimo, juntos, completam um quadro que, no total, se aproxima de 30% das emissões globais — uma fatia que tende a crescer proporcionalmente, conforme outros setores conseguem cortar suas emissões mais rapidamente.

Esses setores são críticos não só pelo volume, mas por sua centralidade nas cadeias globais. Eles fornecem insumos fundamentais para infraestrutura, energia, alimentos e mobilidade. Sem sua descarbonização, metas nacionais e internacionais de net zero se tornam inalcançáveis.

G7 acelera a transição dos setores industriais de difícil descarbonização: desafios, soluções e políticas para uma nova era industrial

Caminhos tecnológicos para a indústria verde

O que separa os setores difíceis dos demais não é falta de soluções, mas a maturidade e viabilidade econômica das tecnologias. Entre as principais apostas, destacam-se:

Hidrogênio verde

Produzido pela eletrólise da água usando energia renovável, o hidrogênio verde é visto como substituto potencial do carvão na produção de aço, além de matéria-prima limpa para fertilizantes e outros produtos químicos. Projetos-piloto como o HYBRIT, na Suécia, já fornecem aço livre de fósseis a grandes clientes da indústria automotiva e de construção. O desafio é ampliar a produção de hidrogênio verde a preços competitivos, com investimentos robustos em eletricidade renovável e infraestrutura de distribuição.

Captura, utilização e armazenamento de carbono (CCUS)

Para setores onde as emissões são inerentes ao processo químico, como o cimento, a CCUS ganha protagonismo. Países do G7 lideram projetos de captura de CO₂ em escala industrial, como o Net Zero Teesside, no Reino Unido, e desenvolvem rotas para uso do CO₂ capturado na produção de combustíveis sintéticos ou para armazenamento geológico permanente. O avanço regulatório e o financiamento para essas iniciativas são fundamentais.

Biocombustíveis e combustíveis sintéticos

No transporte marítimo e aviação, onde a densidade energética dos combustíveis é crucial, alternativas sustentáveis como biocombustíveis avançados e e-fuels ganham terreno. Empresas aéreas do G7 já operam voos comerciais com misturas de SAF (Sustainable Aviation Fuels) e os primeiros cargueiros movidos a metanol verde estão sendo testados por armadores europeus.

Eletrificação e eficiência energética

Sempre que possível, eletrificar processos industriais com energia renovável e implementar medidas de eficiência — como fornos elétricos, motores de alta performance e recuperação de calor — reduz emissões e custos. A integração digital e o uso de inteligência artificial para otimização de processos industriais já mostram resultados relevantes na Alemanha, Japão e Canadá.

Economia circular e novos materiais

Reduzir o consumo de matérias-primas por meio de reciclagem, reuso e redesign de produtos é central para cortar emissões indiretas. O conceito de economia circular se consolida em políticas industriais do G7, promovendo a reintegração de resíduos nas cadeias produtivas e estimulando mercados para produtos reciclados e de menor intensidade de carbono.

O papel estratégico das políticas públicas

Mesmo as melhores tecnologias não ganham escala sem apoio político, incentivos de mercado e instrumentos financeiros adequados. Aqui, o G7 avança por múltiplas frentes:

  • Regulação inteligente: Normas de eficiência, padrões mínimos de emissão, certificação de materiais “verdes” e taxação do carbono têm acelerado a demanda por soluções limpas. Exemplos emblemáticos incluem o Inflation Reduction Act nos EUA, que alocou centenas de bilhões de dólares para inovação verde, e as
    normas Buy Clean no Reino Unido e Canadá, priorizando compras públicas de aço e cimento de baixo carbono.
  • Estímulo à demanda: O poder de compra do Estado pode criar mercados para produtos verdes antes que sejam economicamente competitivos. Grandes obras de infraestrutura, contratos governamentais e a rotulagem ambiental compulsória são instrumentos já aplicados por França, Alemanha e Reino Unido.
  • Alianças industriais: O G7 fomenta clusters industriais e consórcios de P&D, acelerando inovação e compartilhamento de riscos. O Industrial Deep Decarbonisation Initiative (IDDI) e a Mission Possible Partnership são exemplos de cooperação internacional em larga escala.
  • Financiamento e mitigação de risco: Com investimentos necessários da ordem de trilhões de dólares até 2050, segundo a IRENA, bancos públicos e fundos de investimento do G7 ampliam instrumentos de garantia, crédito verde e blended finance para viabilizar projetos de alto risco e retorno longo.
  • Transição justa: Políticas de requalificação, proteção social e apoio às regiões e trabalhadores impactados pela descarbonização garantem legitimidade política e inclusão. O conceito de Just Transition, impulsionado pela OIT e adotado pelos países do G7, já se traduz em programas concretos.

Exemplos de sucesso e desafios persistentes

O relatório “Decarbonising Hard-to-Abate Sectors: The G7’s Path to Net Zero” da IRENA, publicado em abril de 2024, destaca iniciativas pioneiras:

  • Alemanha e Reino Unido expandem hubs regionais de hidrogênio e clusters industriais integrados a CCUS e energias renováveis.
  • Japão avança em combustíveis sintéticos para aviação e investe em eletrificação da indústria química.
  • Canadá e EUA lideram testes em larga escala de captura e armazenamento de carbono, com incentivos fiscais robustos.
  • Itália e França desenvolvem políticas industriais circulares e promovem a compra pública de materiais verdes.

Apesar do progresso, persistem desafios: o alto custo de tecnologias emergentes, a necessidade de harmonização regulatória internacional, e o risco de fuga de indústrias para países com regulação ambiental mais branda. Para evitar a chamada “carbon leakage”, o G7 estuda mecanismos de ajuste de carbono na fronteira e incentivos para cadeias globais de baixo carbono.

Oportunidades para o Brasil e o Sul Global

O avanço dos setores industriais verdes no G7 cria oportunidades para exportadores de commodities e produtos de baixo carbono — como o Brasil, com seu potencial em hidrogênio renovável, bioenergia e mineração sustentável. Cadeias de valor mais limpas tendem a beneficiar quem investe em inovação e rastreabilidade ambiental. No entanto, há o risco de barreiras técnicas se o Sul Global não acompanhar a corrida tecnológica e regulatória dos países ricos.

Um chamado à liderança — e à urgência

O caminho para uma indústria pesada compatível com o clima do século XXI está traçado, mas o tempo é curto. O G7 tem papel único: capacidade financeira, peso geopolítico e poder de definir padrões globais. Liderar a transição dos setores de difícil descarbonização é imperativo não apenas para cumprir metas climáticas, mas para garantir resiliência, competitividade e justiça social em um mundo que já sente os efeitos de um aquecimento além de 1,5 °C.

O futuro industrial será verde — e quem liderar essa transição ditará os rumos econômicos das próximas décadas.

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