Da COP30 ao Plano Clima: o que o Brasil precisa ajustar para manter a liderança climática

Da COP30 ao Plano Clima: o que o Brasil precisa ajustar para manter a liderança climática

O Brasil se prepara para sediar a 30ª Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP30), em 2025, na cidade de Belém (PA). A escolha do país como anfitrião da cúpula global sobre o clima representa não apenas uma oportunidade diplomática, mas também uma cobrança: manter-se como líder na transição energética e no combate às mudanças climáticas. No entanto, relatórios recentes acendem um alerta. Se mantidas as políticas atuais, o Brasil pode ver suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) aumentarem até 14% até 2035. A projeção não apenas contradiz os compromissos assumidos no Acordo de Paris, mas compromete a credibilidade do país em liderar a agenda climática global.

O desafio é claro: transformar intenções em resultados mensuráveis, com políticas coerentes e integração efetiva entre setores.

Lacunas do Plano Clima: um alerta técnico

Segundo análise do Instituto Talanoa e da rede Observatório do Clima, o Plano Clima 2023, elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), apresenta fragilidades estruturais. O documento, embora reforce o compromisso com a neutralidade de carbono até 2050, não apresenta metas vinculantes por setor nem detalha cronogramas, instrumentos financeiros ou marcos regulatórios para sua implementação.

A principal crítica recai sobre o fato de que, na ausência de uma trajetória consistente para redução de emissões nos setores de energia, transporte, agropecuária e indústria, o plano se apoia desproporcionalmente no combate ao desmatamento. Embora essencial, a reversão do desmatamento sozinha não é suficiente para compensar o aumento projetado de emissões nos demais segmentos.

Matriz energética e elétrica: o paradoxo brasileiro

O Brasil é, historicamente, reconhecido por ter uma matriz elétrica majoritariamente renovável. Em 2024, mais de 82% da eletricidade produzida provém de fontes limpas, como hidrelétricas, eólicas, solares e biomassa. Entretanto, quando se considera a matriz energética total (que inclui transporte, indústria, uso de combustíveis), a participação de fontes fósseis ainda é significativa, com destaque para derivados de petróleo.

Mais grave: projeções do próprio governo indicam que a participação de renováveis na matriz elétrica pode cair até 2035, caso não haja atualização nos marcos legais e regulações de incentivo. A tendência é que fontes como termoelétricas a gás natural ganhem espaço para garantir a estabilidade do sistema, frente à intermitência das fontes variáveis.

Essa direção contraria a tendência internacional. Enquanto a IRENA (Agência Internacional de Energia Renovável) defende a triplicação da capacidade renovável global até 2030, o Brasil corre o risco de retroceder em sua principal vantagem comparativa.

Da COP30 ao Plano Clima: o que o Brasil precisa ajustar para manter a liderança climática

Agropecuária e metano: o elo frágil

A agropecuária responde por cerca de 28% das emissões brutas brasileiras, sendo o metano seu principal componente. A fermentação entérica do gado é responsável por mais de 65% das emissões de metano no país. Apesar disso, o Plano Clima carece de metas claras para a redução deste poluente.

A falta de instrumentos para incentivar boas práticas agropecuárias, como manejo rotacionado de pastagens, suplementação alimentar, integração lavoura-pecuária-floresta e aproveitamento de resíduos para biogás, limita a capacidade do setor de contribuir positivamente para a agenda climática.

Sem estratégia de mitigação no campo, o Brasil compromete não apenas suas metas climáticas, mas também a competitividade de seu agronegócio frente a mercados internacionais mais exigentes.

Transporte e mobilidade: um salto adiado

O setor de transportes continua altamente dependente de combustíveis fósseis, principalmente no transporte de cargas, que é majoritariamente rodoviário. O etanol e o biodiesel têm papel relevante, mas insuficiente diante da urgência de transição para modais mais eficientes e eletrificados.

A eletrificação da frota, investimentos em infraestrutura ferroviária e incentivo à mobilidade urbana sustentável são ausentes ou genéricos no Plano Clima. Isso representa uma lacuna crítica: em países como a China e a União Europeia, o setor de transportes lidera as ações de descarbonização.

Onde o Brasil precisa ajustar o rumo

Para transformar a COP30 em um marco de liderança climática e não apenas em uma vitrine diplomática, o Brasil precisa:

  • Rever o Plano Clima, incorporando metas setoriais vinculantes, cronogramas claros e indicadores de desempenho;
  • Reforçar o papel das renováveis na matriz elétrica e energética, com incentivos ao armazenamento, gestão de demanda e distribuição inteligente;
  • Estabelecer estratégias para a redução de metano, com apoio técnico e financeiro ao produtor rural;
  • Acelerar a eletrificação da mobilidade, com plano nacional para infraestrutura de recarga, padronização regulatória e integração com o setor de energia;
  • Alinhar os investimentos e o orçamento federal à transição climática, com prioridade a projetos resilientes e de baixo carbono.

Conclusão: do discurso à governança climática

O Brasil tem potencial único: matriz limpa, biodiversidade, abundância de recursos naturais e capacidade técnica instalada. Mas está diante de uma encruzilhada. A liderança climática exige não apenas bons discursos, mas governança, integração setorial e coragem para enfrentar interesses difusos em nome de um futuro comum.

A COP30 será o palco. Cabe ao Brasil assumir o protagonismo com ambição, realismo e execução. O mundo observará não o que será prometido em Belém, mas o que o país conseguirá transformar em realidade nos anos seguintes.

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