Um relatório pioneiro, elaborado em colaboração entre o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e o Centro de Economia Energética e Ambiental (Cenergia) da Coppe/UFRJ, evidencia os desafios que o Brasil enfrenta na transição energética para atingir a neutralidade de carbono até 2050.
O Brasil, que já avançou consideravelmente na transição energética, precisa adotar novas tecnologias e vetores energéticos para alcançar a ambiciosa meta de neutralidade líquida em gases de efeito estufa (GEE) até 2050. A pesquisa aponta a urgência de uma transformação radical nas emissões decorrentes de mudanças no uso da terra e do desmatamento. A inexistência de uma solução eficaz para o desmatamento ilegal até o final desta década torna inviável a meta de neutralidade em GEE até 2050, conforme previsto pelo Brasil no Acordo de Paris.
O estudo apresenta três cenários de transição energética até 2050 – “Transição Brasil”, “Transição Alternativa” e “Transição Global” – cada um deles explorando diferentes estratégias de mitigação de emissões para alcançar a neutralidade de carbono no país. Cada cenário é baseado em diferentes pressupostos sobre a evolução das políticas públicas, o consenso social, comportamentos de empresas e consumidores, e o desenvolvimento e difusão de novas tecnologias.
Apesar de possuir uma matriz energética já bastante avançada, com cerca de 50% de sua energia primária proveniente de fontes renováveis, as trajetórias de descarbonização do Brasil nos próximos 30 anos sugerem uma dinâmica para a matriz energética distinta das últimas três décadas, trazendo novos desafios e oportunidades.
Os cenários de descarbonização propostos incluem mudanças estruturais nos setores de oferta e demanda de energia, bem como no uso da terra, para atingir a neutralidade climática no Brasil em 2050. Para os cenários “Transição Brasil” e “Transição Alternativa”, seriam evitadas aproximadamente 30 bilhões de toneladas equivalentes de CO2, enquanto no cenário “Transição Global”, o esforço de mitigação de emissões seria ainda maior, atingindo cerca de 40 bilhões de toneladas equivalentes de CO2.
Para alcançar a neutralidade em GEE até 2050, as emissões de CO2, o principal GEE, precisam se tornar negativas por volta de 2035-2040, ou seja, uma década antes da meta de neutralidade em GEE. Nos três cenários de descarbonização, as emissões de CO2 tornam-se negativas em torno de 500 milhões de toneladas, sublinhando a magnitude do desafio.
Além disso, a pesquisa evidencia a necessidade de revisão e até mesmo criação de marcos regulatórios para a transição energética, bem como a demanda por desenvolvimento, escala e competitividade de novas tecnologias e infraestruturas.
Thiago Barral, presidente da EPE, destacou a relevância do “Programa de Transição Energética”, afirmando que este contribui para a formação de consensos sobre dilemas, incertezas, desafios e oportunidades para as partes interessadas e a sociedade como um todo. Morgan Doyle, representante do Grupo BID no Brasil, reiterou o compromisso do BID em continuar apoiando tecnicamente e financeiramente os esforços de transição energética do Brasil.
O relatório também alerta para os custos significativos, que poderiam chegar a US$ 3,4 trilhões, caso o Brasil não consiga eliminar o desmatamento ilegal. Se isso acontecer, o país terá que compensar suas emissões, tornando-se um comprador de créditos de carbono, em vez de um vendedor. O estudo calcula que a eliminação do desmatamento ilegal poderia evitar a emissão de 21 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa até 2050.
O perfil de emissões do Brasil é bastante diferente do perfil global. Enquanto o setor energético representa 76% das emissões totais de gases de efeito estufa no mundo, no Brasil esse setor representa apenas 31% das emissões líquidas e 18% das emissões brutas, devido ao alto índice de fontes renováveis na matriz energética do país.
Rafaela Guedes, senior fellow do Cebri, ressaltou a importância das soluções baseadas na natureza para a remoção de carbono. Segundo ela, o Brasil detém 20% das melhores oportunidades para essas soluções. Uma das prioridades para a década de 2020-2030 deve ser o aproveitamento desse potencial, gerando valor a partir das florestas em pé, conciliando as agendas climática e social.
O relatório também aborda a evolução da matriz energética brasileira nas próximas décadas. Estima-se que a demanda por energia primária aumentará de 268 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (tep) em 2020 para cerca de 400 milhões de tep em 2050. Em contrapartida, haverá uma diminuição do uso de combustíveis fósseis e um aumento do uso de fontes renováveis, principalmente biocombustíveis avançados.
A pesquisa indica que a participação das fontes renováveis superará 70% da matriz energética primária. Nos três cenários analisados, até 2030, o etanol e o biodiesel, biocombustíveis convencionais, representarão a maior parcela da oferta de bioenergia. No entanto, a partir de 2040, os biocombustíveis avançados, como o diesel verde, o bioquerosene de aviação, a gasolina verde e os biocombustíveis para uso marítimo, ganham destaque como os principais vetores de substituição aos combustíveis fósseis.
Finalmente, o estudo destaca o rápido crescimento da demanda por eletricidade nos próximos anos. Isso será alimentado principalmente por setores como transportes, com a eletrificação de veículos, e a indústria, com a maior eletrificação de processos. A previsão é de que a demanda por eletricidade quase dobre até 2050, chegando a 1.000 TWh.
O relatório também prevê uma grande diversificação na geração de energia elétrica. A energia hidrelétrica, que historicamente tem sido a espinha dorsal da geração de energia no Brasil, terá sua participação gradualmente reduzida. Em contrapartida, a geração de energia solar e eólica deve aumentar substancialmente. O relatório estima que a energia eólica poderia fornecer até 24% da energia do Brasil até 2050, enquanto a energia solar poderia fornecer 20%.
Além disso, a pesquisa destaca a necessidade de investimentos em redes de transmissão e distribuição de energia, bem como em tecnologias de armazenamento de energia, para lidar com a crescente participação de fontes de energia renováveis intermitentes na matriz energética.
Em termos de políticas públicas, o relatório recomenda que o Brasil promova a eficiência energética, diversifique sua matriz energética, invista em infraestrutura de energia e promova o desenvolvimento de tecnologias de baixo carbono. Ele também sugere a necessidade de uma maior integração de políticas energéticas e climáticas, bem como a adoção de uma abordagem mais holística para a transição energética, que considere os aspectos econômicos, sociais e ambientais.
Em conclusão, o estudo reforça a necessidade de o Brasil se posicionar como líder global na transição para uma economia de baixo carbono. Isso exigirá a adoção de políticas ambiciosas, o desenvolvimento de novas tecnologias e uma grande transformação em sua matriz energética. No entanto, o relatório também enfatiza que essa transição pode trazer grandes benefícios para a economia e a sociedade brasileira, incluindo a criação de empregos, o aumento da competitividade e a melhoria da saúde e qualidade de vida da população.
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