Maio de 2025 marcou um ponto de inflexão para o futuro do biometano no Brasil. Com a realização de uma audiência pública crucial e a divulgação da minuta de um decreto regulamentador, o governo federal sinalizou um forte impulso para destravar o potencial deste gás renovável, derivado de resíduos do agronegócio e aterros sanitários. Apelidado por entusiastas de “pré-sal caipira”, o biometano emerge como peça central na estratégia de descarbonização do país, prometendo reduzir a dependência de combustíveis fósseis, gerar renda no campo e fortalecer a segurança energética nacional, embora desafios de custo, escala e infraestrutura ainda precisem ser superados.
O biometano, essencialmente o biogás purificado até atingir uma concentração de metano (CH4) superior a 90%, possui características físico-químicas virtualmente idênticas às do gás natural de origem fóssil. Essa equivalência permite sua utilização direta na rede de gasodutos existente, como combustível veicular (substituindo diesel e GNV fóssil) e como insumo industrial, sem a necessidade de grandes adaptações. Sua produção ocorre a partir da digestão anaeróbia (decomposição por bactérias na ausência de oxigênio) de matéria orgânica, como dejetos animais, resíduos agrícolas (palhas, vinhaça da cana-de-açúcar) e a fração orgânica do lixo urbano depositada em aterros sanitários. O potencial brasileiro é vasto, refletindo a força do agronegócio nacional e os desafios na gestão de resíduos.
Reconhecendo essa oportunidade estratégica, o governo brasileiro, através do Ministério de Minas e Energia (MME), intensificou os esforços para criar um ambiente regulatório favorável ao desenvolvimento do setor. No dia 12 de maio de 2025, o MME colocou em consulta pública a minuta do decreto que visa regulamentar o Programa Nacional de Biometano, inserido no contexto mais amplo do programa “Combustível do Futuro”. O objetivo central, conforme a minuta, é estabelecer as bases para um mercado robusto, incentivando a produção e o uso do gás renovável em substituição aos fósseis.
Um dos pontos mais relevantes da proposta é a criação de um mandato nacional de mistura de biometano ao gás natural fóssil, com metas progressivas a partir de 2026. Segundo a minuta, caberá ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) definir essas metas anuais, que visam garantir demanda firme para os produtores e acelerar a
redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE). A proposta também prevê mecanismos para a comercialização de Certificados de Garantia de Origem de Biometano (CGOB) e a integração do biometano à infraestrutura de transporte e distribuição de gás natural.
Para debater a minuta e colher subsídios da sociedade e dos agentes do setor, o MME realizou uma audiência pública em Brasília no dia 21 de maio de 2025. O evento reuniu representantes do governo, da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), de associações setoriais (como a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado – Abegás, e a Associação Brasileira de Biogás- Abiogás), produtores, consumidores industriais e especialistas. As discussões giraram em torno da viabilidade das metas propostas, da necessidade de mecanismos de incentivo adicionais, da harmonização com regulações estaduais e da garantia de acesso à infraestrutura de gasodutos.
Durante a audiência, como reportado pelo portal Brasil Energia, a Abegás defendeu o foco do uso do biometano em frotas pesadas (caminhões e ônibus) e setores industriais de difícil descarbonização, enquanto outras entidades ressaltaram a importância de garantir a rastreabilidade e a sustentabilidade da produção. O Secretário Nacional de Transição Energética e Planejamento do MME, Pietro Mendes, afirmou na ocasião que o decreto foi desenhado para assegurar o início do mandato já em 2026, buscando reduzir complexidades na implementação inicial.
Paralelamente aos avanços regulatórios, estudos técnicos buscam dimensionar o potencial e os desafios da integração do biometano. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao MME, apresentou no início de maio, durante a Offshore Technology Conference (OTC) 2025 em Houston (EUA), um estudo sobre a integração do biometano à infraestrutura de gás natural. Poucos dias depois, em 16 de maio, a EPE também apresentou o Plano Integrado de Gás e Biometano durante um seminário sobre gás natural. Esses estudos são fundamentais para mapear as necessidades de investimento em gasodutos, estações de compressão e sistemas de monitoramento para acomodar a crescente produção do gás renovável.
As perspectivas de mercado são animadoras. Estimativas divulgadas em maio de 2025, como a reportada pelo portal Visão Agro, apontam que o Brasil pode alcançar cerca de 200 plantas de produção de biometano até 2032. Esse volume produtivo teria capacidade de suprir mais de 10% da demanda nacional projetada de gás natural, representando uma contribuição significativa para a segurança energética e a redução de importações.
No entanto, a materialização desse potencial enfrenta desafios consideráveis. A viabilidade econômica dos projetos ainda é sensível aos custos de investimento em biodigestores e sistemas de purificação, à logística de coleta de resíduos (especialmente os agrícolas, mais dispersos) e à escala de produção. Projetos menores podem ter dificuldade em competir sem incentivos específicos. Além disso, a conexão à rede de gasodutos existente nem sempre é trivial, exigindo investimentos em infraestrutura de conexão que podem onerar os projetos. A garantia de contratos de longo prazo e a precificação adequada dos atributos ambientais do biometano (como a redução de emissões de GEE) também são fatores críticos para atrair investimentos.
O debate sobre a competitividade do gás natural e do biometano também esteve presente na agenda de maio, com a Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Mato Grosso do Sul (Agems) participando de discussões nacionais sobre o tema. A forma como o biometano será inserido no mercado, competindo ou complementando o gás natural fóssil, e como os custos serão repassados aos consumidores finais, são questões ainda em aberto e que dependem da finalização da regulamentação.
O avanço do biometano está intrinsecamente ligado à agenda ESG (Ambiental, Social e de Governança). Ao transformar um passivo ambiental (resíduos poluentes) em um ativo energético renovável, os projetos de biometano contribuem diretamente para a mitigação das mudanças climáticas (redução de metano e CO2), para a economia circular e para a geração de emprego e renda no interior do país. Para as empresas, investir ou consumir biometano torna-se uma forma concreta de atingir metas de descarbonização e melhorar seus indicadores ESG, cada vez mais valorizados por investidores e consumidores.
Em suma, maio de 2025 representou um passo significativo para consolidar o biometano como um pilar da transição energética brasileira. A movimentação regulatória, evidenciada pela consulta pública e pela audiência sobre o decreto do Programa Nacional de Biometano, demonstra a intenção do governo em criar um mercado sólido e previsível. As projeções de crescimento são otimistas, mas a concretização do potencial do “pré-sal caipira” dependerá da superação de desafios técnicos, logísticos e econômicos, bem como da efetividade das políticas públicas em garantir a competitividade e a sustentabilidade do setor. O sucesso dessa empreitada não só fortalecerá a matriz energética nacional com uma fonte limpa e local, mas também impulsionará a agenda ambiental e social do Brasil no cenário global.
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