A América Latina tem se consolidado como uma das regiões com maior participação de fontes renováveis na matriz elétrica global. Com uma expressiva presença de hidrelétricas e um crescimento acelerado de eólicas e solares, a região se destaca frente a outros continentes no caminho para uma economia de baixo carbono. No entanto, apesar dos avanços, alcançar a neutralidade de emissões até 2050 ainda parece um desafio considerável.
A dependência de combustíveis fósseis em alguns setores, a falta de integração regional e os elevados investimentos necessários fazem com que a meta de Net Zero pareça, na melhor das hipóteses, um objetivo difícil de ser alcançado no prazo estipulado pelo Acordo de Paris.
A corrida contra o tempo
A ONU define Net Zero como a redução das emissões de carbono para um nível residual que possa ser absorvido pela natureza ou por tecnologias de captura de CO₂. A transição para um mundo neutro em carbono exige uma transformação profunda na maneira como a humanidade produz, consome e se movimenta. Como o setor energético é responsável por cerca de 75% das emissões globais de gases de efeito estufa, a substituição de fontes fósseis por renováveis é a chave para evitar os piores efeitos das mudanças climáticas.
Entretanto, os compromissos assumidos pelos governos ainda são insuficientes. Segundo dados da ONU, os planos climáticos nacionais resultariam em uma redução de apenas 2,6% das emissões globais de CO₂ até 2030, enquanto o necessário seria um corte de 43% no mesmo período para manter o aquecimento global dentro dos limites estabelecidos.
Além disso, a saída recente dos Estados Unidos do Acordo de Paris adiciona um novo obstáculo ao processo global de descarbonização. A decisão da maior economia do mundo, um dos principais emissores globais de CO₂, pode desacelerar o movimento de transição energética, especialmente na América Latina, onde as sanções comerciais e o posicionamento político do país influenciam diretamente o mercado.
Brasil lidera a região, mas investimentos são um entrave
O Brasil se destaca como o maior mercado de energia elétrica da América Latina, com cerca de 50% da capacidade instalada da região. O país possui uma matriz altamente renovável, onde 50% da potência instalada vem de hidrelétricas, enquanto eólica e solar representam 15% e biomassa, 5%. No total, aproximadamente 60% da geração de energia no país já é renovável. Esse fator coloca o Brasil em uma posição privilegiada na transição energética, mas o desafio para alcançar a neutralidade de carbono ainda é significativo.
De acordo com projeções da BloombergNEF no New Energy Outlook 2025, para que o Brasil atinja o Net Zero em 2050, serão necessários investimentos da ordem de US$ 6 trilhões. Esse montante precisa ser direcionado para diversas frentes, sendo a eletrificação um dos principais pilares, responsável por 55% das reduções de CO₂ esperadas. Em segundo lugar está o aumento do uso de energia limpa, que representaria 10% do avanço, seguido pela captura e armazenamento de carbono, com 9%.
Em comparação, o cenário global é ainda mais desafiador. O relatório da BNEF de 2024 apontou que para o mundo alcançar a transição econômica para o Net Zero, a eletrificação responde por 15% das ações e o uso de energia limpa por 68%. Para que essa mudança seja possível, seriam necessários US$ 215 trilhões em investimentos totais até 2050.
Uma América Latina heterogênea na transição energética
A América Latina, apesar de sua forte base renovável, enfrenta dificuldades na transição energética devido à desigualdade entre os países. Enquanto nações como Uruguai, Chile e Colômbia avançam em planos de descarbonização, outras, como México e Argentina, seguem altamente dependentes de hidrocarbonetos.
O México, por exemplo, estabeleceu a meta de reduzir pela metade suas emissões até 2050, mas enfrenta dificuldades devido à sua grande dependência do gás natural. Já a Argentina, fortemente ligada ao petróleo e gás, encontra barreiras econômicas e políticas para realizar uma transição mais agressiva para fontes renováveis.
Diante desse cenário, analistas apontam que a América Latina dificilmente atingirá a meta de Net Zero em 2050. A região precisaria de investimentos massivos para viabilizar essa mudança, além de superar barreiras regulatórias e políticas que historicamente dificultam a implementação de políticas energéticas de longo prazo.
O papel da integração energética
Uma possível solução para acelerar a transição energética na América Latina é a integração dos sistemas elétricos regionais. A conexão entre os países permitiria um intercâmbio mais eficiente de energia, garantindo maior estabilidade na oferta e reduzindo a necessidade de geração térmica.
Exemplos bem-sucedidos já existem, como a usina binacional de Itaipu, compartilhada entre Brasil e Paraguai. Outras conexões, como as interligações entre Brasil e Argentina e entre Equador, Peru e Colômbia, também são indicativos de que a integração pode ser um caminho viável.
Contudo, desafios técnicos, físicos e regulatórios ainda impedem uma maior interconexão elétrica entre os países da região. Enquanto a Europa tem avançado nesse aspecto, criando um mercado de energia comum, a América Latina ainda está longe desse cenário. A disparidade entre os marcos regulatórios de cada país e a complexidade dos investimentos necessários tornam esse processo mais lento e complexo.

Tecnologias emergentes como solução
Além da interconexão, a adoção de novas tecnologias é vista como essencial para garantir a estabilidade da matriz renovável. O armazenamento de energia aparece como um dos principais desafios, pois a intermitência das fontes eólica e solar exige soluções que garantam confiabilidade ao sistema.
A inteligência artificial também tem um papel crucial na otimização do uso das redes elétricas. Algoritmos avançados já são utilizados para prever padrões de consumo, melhorar a eficiência da distribuição e minimizar perdas na transmissão. A aplicação dessas tecnologias pode acelerar a transição energética e aumentar a segurança no fornecimento de eletricidade.
Caminhos para o futuro
A América Latina já tem uma base sólida para a transição energética, mas os desafios para atingir a neutralidade de carbono até 2050 são imensos. Apesar de avanços importantes em alguns países, a região ainda carece de políticas robustas e de investimentos em larga escala para consolidar uma matriz energética limpa e segura.
O Brasil, como maior mercado da região, tem um papel fundamental nesse processo. Com recursos naturais abundantes e uma matriz já predominantemente renovável, o país pode liderar a transição na América Latina e atrair investimentos para setores como armazenamento de energia e hidrogênio verde.
Entretanto, a trajetória até 2050 dependerá não apenas de decisões nacionais, mas também da cooperação regional e do compromisso global com a descarbonização. Enquanto isso, o relógio segue correndo e o planeta continua esquentando.
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